A noite estava exatamente como aquela a quase 3 anos atrás, nublada, mas não com cara de chuva dessa vez, mas parecia que o tempo havia voltado e quase pude ver a garota que eu era sentado ao meu lado, chorando, os soluços se perdendo nas tentativas de puxar o ar para os pulmões, as lágrimas lavando o chão. Quis toca-la para dizer que tudo iria ficar bem, mesmo que eu soubesse que não ia. Eu a ouvia, ou melhor, eu me ouvia chorar aquela noite como se fosse a que estou agora, mas não, não dessa vez, dessa vez eu só encarava o céu e quase me perguntava ‘por que?’ mas eu não tinha essa ousadia.
Estava no mesmo lugar e na mesma situação que me encontrava a todos esses dias, semanas e meses atrás, mas eu não era mais uma adolescente, não era mais aquela menina desesperada, nem poderia, agora sou uma mulher, a situação pode ser a mesma, mas tenho que enfrenta-la de modo diferente, com maturidade e não desespero.
Enterrei meu rosto em minhas mãos, para segurar meu cérebro que dava voltas e voltas, fazendo com que eu ficasse com dor de cabeça. Tudo estava voltando, mas ao invés de ser tristeza e falta de chão, o que vinha dessa vez era raiva e vingança, era vontade de bater na sua cara e perguntar com toda a voz que me fosse possível soltar: VC É LOUCO? QUAL SEU PROBLEMA SEU MOLEQUE? Mas eu não podia fazer isso, pelo mesmo motivo de antes... felizmente vc esta longe, isso te mantinha em segurança e eu fiquei contente por isso, eu não me conheço quando estou com raiva, então era melhor assim.
Fui abandonada novamente no meio fio. Fui deixada pra olhar para trás e engolir as cinzas das lembranças que marcam, fui deixada para entender novamente o erro que cometi.
Fui deixada para trás.
Eu queria ter podido prever tudo isso, pelo menos eu não iria acreditar nem 10% em vc e poderia ter seguido minha vida, sem preocupação, e quem sabe assim teria dado certo, porque pelo menos vc teria medo de me perder, mas eu te dei confiança demais, porque era isso que eu gostaria que vc tivesse em mim, ou melhor, era isso que eu gostaria que tivéssemos trocado e guardado... mas não foi o que aconteceu, pois é, não foi mesmo. Eu nem lembro mais porque fiquei tão ansiosa e desesperada, porque coloquei fé nisso. Meses atrás, eu me lembro, nossa parece que faz tanto tempo, eu estava animada com tudo e confiava nessa distancia que poderia nos separar fisicamente, mas não intimamente, pelo menos foi isso que eu achei, eu via o farfalhar das arvores inúmeras vezes, pensando em como seria quando eu o visse novamente, como eu me lembraria desse momento... Bem, agora eu não quero é me lembrar de nada. Eu bloqueio meu cérebro para qualquer lembrança, sabia? Qualquer uma que me vem a mente, eu logo afasto e penso em outra coisa, porque vc não vai fazer meu coração doer. CHEGA DISSO, chega de sofrer. Todos me dizem pra esquecer, e dessa vez é o que eu quero mesmo. Obrigada, vc trancou o cadeado, eu pensei que poderia lhe confiar a chave, mas foi um erro mesmo, pode me devolver por favor? Eu to mesmo pensando em jogar ela no lixo, até porque, quando alguém conseguir entrar aqui de novo, o fecho já estará velho o suficiente para se quebrar com um sopro.
Todos falavam que eu tinha que sair do mundo da Disney, sabe? Aquele de princesas e príncipes? Eu não vou deixar vc tirar isso de mim, porque é algo precioso da minha essência, mas claro, que esses sonhos não incluem mais vc. Eu entrei em outro mundo de fantasias, mas agora eu quero é ficar sozinha nele, apenas eu. Dessa vez... Minha nossa, dessa vez o fecho esta tão forte, que mesmo palavras bonitas, desculpas e pedidos, não farão a mínima diferença, só quem sabe me darão vontade de cuspir na sua cara, isso é mais provável do que um sorriso. Bem mais.
Eu ergui a cabeça e contemplei a rua escura e parada, apenas com uma nevoa da madrugada subindo gradualmente. Me levantei, batendo na roupa para tirar a sujeira de cimento em pó. Eu vou te esquecendo aos poucos, e logo eu nem vou mais lembrar porque eu chorei tanto, e espero nem lembrar mais o porque me feriu tanto. Eu vou deixar, e tornar tudo isso não em raiva, mas em indiferença.
Um dos fumantes veio com seu mal hálito perguntar se eu estava perdida e se queria companhia. Ele sorria debilmente. Eu o encarei por alguns segundos, pensando em como da outra vez a chuva havia lavado um pouco minha alma e em como um amigo havia vindo me consolar. Nesses poucos momentos vidrando o garoto drogado, eu pensei em como dessa vez eu estava sozinha, em como não havia nenhum amigo ou chuva, em como o mundo havia crescido e eu também e em como isso me fez envelhecer. Virei-me, ignorando o convite, enfiando as mãos nos bolsos do moletom e me pondo a caminhar pra casa. Era uma longa distancia, mas eu descobri que eu adoro andar. Ouvi os outros malandros rirem do meu coleguinha assanhado, que começou a me xingar de vários nomes.
Eu passava ali, pelas ruas desertas, encarando os moradores de rua em volta de suas fogueiras, vc não teria coragem de enfrentar essa comigo, não é? Nem algo mais simples ainda vc quis. “Espere por mim” eu soltei um riso abafado ao pensar nisso, como quando se lembra de uma piada antiga.
Eu caminhava, corri em alguns momentos, andando na penumbra... envelhecida, dura, fechada, quebrada, de novo sozinha e com a manga da blusa, eu sequei a única lágrima que rolou no meu rosto daquele dia em diante.
- by Elize Blackmore
Nenhum comentário:
Postar um comentário