terça-feira, 10 de setembro de 2013

Heart by Heart

Passei no Speedy's como fazia todas as manhãs desde que comecei a trabalhar na vida. O melhor lugar para se tomar café da manhã e o único lugar que conheço que usa chantilly de verdade e não gordura vegetal.
Havia dormido muito mal aquela noite, então acordei mais cedo e fui relaxar um pouco sozinha nas cadeiras estofadas e confortáveis do café, lendo as páginas do meu livro.
Quando os vi entrando pela porta.
O Speedy's tem aquele sininho ridículo que vemos nos filmes e em desenhos, o que geralmente não me tira a concentração, mas dessa vez me fez olhar por cima das páginas com minhas lentes grandes do óculo, pois a figura de dois homens, um bem vestido, face iluminada e pronto para o trabalho acredito, e outro esfarrapado, barba mal feita, com expressão solitária, me chamaram a atenção.
'Traga um café da manhã caprichado para esse homem, por favor' disse o bem vestido, com um sorriso e olhos sonolentos, olhando para o amigo esfarrapado.
Conclui, voltando para minha leitura, que era provavelmente um bom homem fazendo um favor para um vagabundo de rua. Como dizem: As ações matinais tem o poder de mudar seu dia.
Bebericando meu chocolate quente, ouvi discretamente a conversa dos dois, que sentaram apenas a uma poltrona de distância da minha mesa ao lado, e como o café estava praticamente vazio, qualquer voz baixa, parecia uma concerto de rock.
'O senhor foi a primeira pessoa que demonstrou alguma gentileza comigo' balbuciou as palavras entre o bacon e ovos na boca.
O pobre homem, que por mais esfarrapado que estivesse, era bonito, tinha um belo rosto, e aparentava ter por volta de 40 anos.
O homem bem vestido apenas sorriu e continuo o observando comer desesperadamente a comida. O bem feitor tinha um rosto mais envelhecido, por volta de uns 56 anos... e quem diria, o pobre coitado morto de fome tinha um visual muito melhor que ele.
'Qual seu nome?' perguntou o homem.
 'Danny Reed.' respondeu o vagabundo com voz forte, limpando a boca com o guardanapo.
Me senti idiota de estar ouvindo essa conversa, tentei voltar para o meu livro, me concentrando nas palavras do bom autor.
'Vc precisa de dinheiro e algum lugar pra ficar?' perguntou o homem, com um sorriso agradável.
Minha nossa! O mundo realmente precisa de homens assim. Que gentileza de coração, que caridade... é, não ia conseguir voltar pro meu livro, mas era o disfarce perfeito para a minha bisbilhotagem em conversa alheia.
Danny não respondeu, acredito que tenha ficado tão atônito com a gentileza, que ficou sem palavras.
O homem bem vestido então colocou a mão dele sobre a de Danny.
'Se eu lhe dar $ 20 pratas, vc vem pra casa comigo?' disse levantando a sobrancelhas com um sorriso.
Eu quase derramei todo o meu chocolate quente quando o ouvi fazer a oferta.
Agora eu olhei para os dois, e Danny o encarava, engolindo a seco, sem saber o que dizer ou o que pensar imagino, assim como eu estava neste momento.
Eu os olhava vidradamente, sem ligar se veriam minha espionagem.
'Então?' ele pressionou.
Danny estava desesperado. Os olhos fixos no homem, como se TIVESSE que aceitar a oferta pela gentileza, mas tudo o incentivava a sair dali correndo.
Ele estava indefeso.
Eu nem acreditei que um homem que aparentava ser mais velho que eu, poderia ter um olhar tão assustado.
Eu era apenas um garota de 25 anos, com um trabalho meia boca, uma vida igualmente meia boca, socialmente isolada, romanticamente frustrada e sem nenhum histórico anterior de grandes feitos, mas eu não consegui, ao ver o olhar de Danny, ficar apenas atrás das páginas e dos óculos... como sempre fiz.
Eu me levantei e o homem já estava apertando com mais força a mão de Danny. Levando meu chocolate quente comigo e largando meu livro na mesa, parei ao lado da mesa dos dois, e Danny me olhou imediatamente.
'Não queremos nada, obrigada' suspirou o homem de terno, sem tirar os olhos de sua presa, me confundindo com a garçonete.
'Sei muito bem o que o senhor quer.' disse com firmeza, mas claro... estava morrendo de medo.
Ele levantou os olhos pra mim.
'Mostre-me uma sociedade em que caridade vira chantagem, e lhe mostrarei uma sociedade fadada ao desastre.' citei a primeira filosofa que me lembrei, ou melhor, a melhor coisa que me veio a cabeça naquela hora.
'Que falta de educação minha jovem, ouvindo a conversa dos outros.' ele rapidamente tirou a mão asquerosa de cima da de Danny.
'Eu pagarei o lanche para o cavalheiro aqui' disse para Kenny, a minha amiga garçonete que já nos olhava, desconfiada.
'Não é necessário, eu já farei isso' ele me enfrentou, com olhar furioso.
Danny me olhava, sem conseguir agora engolir a comida.
'Não vai trocar sua gentileza por favores sexuais, seu velho nojento.' eu disse me abaixando para ele, batendo a mão na mesa.
Ele me encarou por um momento, tentando avaliar nos meus olhos se estava mesmo convicta a salvar o homem esfarrapado.
Então soltou uma risada abafada.
'Volte para seu mundo de fantasia garota, isso não é assunto seu.' disse, voltando-se para Danny.
Eu olhei para Danny pela primeira vez diretamente agora. Ele estava de cabeça baixa, acredito que tentando decidir o que fazer. Então ele levantou seus olhos gradualmente para mim, e vi um homem em que a idade não o havia corrompido, um verdadeiro imaculado... um que valia o sacrifício.
Com o chocolate quente ainda na mão, eu tomei a decisão de não recuar e o derramei todo no meio das pernas do velho safado.
Ele se levantou rapidamente, me empurrando e claro, me xingando.
'ora, sua...'
'Está 'quente' o suficiente para vc?' perguntei levantando a sobrancelha e dando o mesmo sorriso que ele havia oferecido a Danny anteriormente.
O engravatado me encarrou com muita raiva nos olhos, e Kenny logo veio, juntamente com Otto, o barman, que felizmente, era grande o suficiente para intimidar.
'o que está havendo? o senhor está bem?' Kenny o olhou, vendo a mancha marrom entre suas pernas. 'urgh... o senhor... quer um guardanapo?'
'Não, não quero nada, não encoste em mim.' disse ele nervoso, puxando a maleta que estava nas poltronas. 'Isso que dá fazer o bem nos dias de hoje.' olhando para Danny com um olhar enfurecido e malicioso, terminou sua ameaça. 'outra oportunidade virá de lhe pagar algo, rapaz.' e saiu, me empurrando ao passar pra chegar a porta.
O sininho sacudiu com força.
'o que vc fez?' perguntou Otto.
'Era só um velho idiota e louco, eu pagarei a comida, tudo bem?' disse, relaxando agora.
'O que deu pra fazer isso menina?' então eu olhei para Danny, que ainda estava calado.
'Traz um suco de laranja pra mim por favor?'
'Tá... mas não expulse mais os clientes derramando a mercadoria neles, ok?' disse Otto, dando um riso abafado.
Peguei minha bolsa e livro e levei para mesa em que Danny estava. E o olhei. Ele segurava o garfo com firmeza, sem tocar mais na comida.
'Vc está bem?' quis encostas nele, mas preferi não fazer isso.
'Sim.' quase que nada saiu como resposta.
Suspirei.
'Me desculpe por me intrometer, mas eu não podia deixar ele fazer isso com vc. Que tipo de verme faz isso? Minha nossa... em que mundo estamos.' disse com raiva.
'Que livro está lendo?' Danny perguntou, mirando o livro em cima da mesa.
'Ah, é James Patterson... um dos melhores romancistas da atualidade na minha opinião... já leu?'
'Não... é sobre o que?' estava claro que ele não queria tocar no assunto, que queria tentar deixar o que aconteceu e o que passou na cabeça dele, ao meu julgamento.

Eu não fui trabalhar aquele dia. Pessoas entraram e sairam do Speedo's e nós dois ficamos lá, conversando, falando sobre tudo, rimos algumas vezes e nem acreditei como ele era inteligente e como era divertido.
Passaram das 21pm.
'Minha nossa, olha a hora! Preciso ir, ainda tenho muito que fazer em casa.' disse, olhando o relógio do café.
'Sim, claro! Me desculpe, falei demais.' Danny se desculpou, empurrando o prato.
'Claro que não, vc é muito divertido Danny! Obrigada por isso, obrigada mesmo.' disse sorrindo pra ele e acidentalmente encostando em sua mão.
Ele olhou imediatamente para o nosso contado. Eu tirei a mão rapidamente.
'Me desculpe.' sorri, envergonhada. 'Kenny, a conta, por favor?'
Gastei o dinheiro do café, do almoço, da passagem, do jantar e quem sabe da conta de aguá desse mês em apenas um dia, mas tanto faz. Passei tudo no crédito.
'Danny... vc tem pra onde ir?' perguntei.
'Na verdade, não. Eu geralmente ando a noite inteira pelas ruas e durmo mais de dia, é mais quente.' e eu entendi que o que ele quis dizer foi que o sol aquece o papelão de dia.
'Quer dormir lá em casa?' quando me toquei do que havia proposto, recuei na hora. 'não, calma... não é o que está pensando, só não quero que aquele velho tarado te ache novamente e faça algo pior do que um convite, só quero...' metralhei-o com explicações.
'minha mãe era como vc sabia? Ela tomava partido das pessoas, enfrentando quem precisasse pra defender quem ela achava que precisava.' ele rio. Não sei se de mim ou da lembrança.
Suspirei, aliviada.
'Entende então que meu convite não é sexual, certo?' ri.
'Claro. Eu aceito. Só quero que saiba que eu não uso drogas, bebo apenas pra esquecer o necessário, e não sou louco, então não vou roubar sua casa ou lhe atacar durante a noite, ok?' o sorriso dele me iluminou.
'C...certo!' disse, parecendo uma garotinha.
'Aliás, quando anos vc tem?' ele me perguntou.
'25 anos' franzi a boca. 'e vc?'
'Tenho idade suficiente para ser seu pai' disse.
Mas Danny me parecia sim ter mais idade que eu, mas não velho.
Paguei a conta e andamos até em casa, ainda com muito assunto.

Meu apartamento era uma bagunça sem limites, mas ainda consegui arrumar a sala confortavelmente para ele passar a noite bem. Lhe deu roupas limpas do meu irmão que havia passado o final de semana em minha casa e ele tomou um banho de quase 40 minutos.
Quando se deitou no sofá e eu dei um cobertor para ele, ele pegou minha mão.
'Vc foi, realmente, a primeira pessoa que mostrou alguma gentileza para comigo' me soltou e se virou para descansar e dormir como um menino.

Como dizem: As ações matinais tem o poder de mudar seu dia.... e esse dia, mudou a minha vida para sempre.

Ah, claro, acho que devo informar que eu e Danny nos casamos e temos agora uma filha com 2 anos. E os dois compartilham do mesmo olhar inocente, o mesmo que eu ainda quero proteger.

- by Elize Blackmore. 
(texto inspirado em um filme)  

Um comentário:

  1. Uau. Não consigo expressar mais nada no momento...

    Aliás, lembra qual filme inspirou o texto?

    ResponderExcluir