terça-feira, 26 de novembro de 2013

We Remain

Eles iam nos levar até a área do combate, mas aquilo era muito mais 'arrastar' do que 'guiar'.
Já estava combinado com os outros participantes, não iriamos mais aceitar aquilo, não mais. Ser usados como diversão, usados como placares pra apostas e rotação de dinheiro.
Não mais.
Os guardas fardados de branco nos arrastavam até área designada, e começamos a nos entre olhar, eu e todos os outros participantes, que eram mais de dez, e eu e ele nos olhamos rapidamente para passar a mensagem que já haviamos combinado no silêncio: protegeríamos um ao outro acima de tudo, a qualquer custo. Ele piscou para mim com aqueles olhos azuis como o mar, como geralmente fazia. Eu sorri ligeiramente.
Caminhavamos, ou melhor, eramos empurrados com gritos até as grandes portas da redoma, por corredores estreitos cheios de papéis na parede, divulgando nossa luta ridícula. Eu olhava para todos aquelas miseráveis propagandas com toda a repugnância que eu havia escondido desde dos 14 anos, quando entrei nesse viciante ciclo de dividas e mentiras. Agora com 20, não dava mais.
O sinal veio do primeiro participante da fila em que nos colocaram, ele se virou para um dos guardas e enfiou a faca que havia escondido nas vestes esfarrapadas.
Bem na barriga.
O alvoroço começou e foi então que nos desorganizamos da fila, cada um correndo para um lado do corredor estreito que estavamos passando, chutando, esmurrando, correndo, esbarrando, fazendo o que fosse preciso para nunca chegar até as grandes portas de madeira, que de lá, só poderiamos sair gravemente feriados ou mesmo... mortos.
Os guardas tentaram me agarrar pelo braço com força, mas me movi rápido, dando uma cotovelada em suas 'partes' e me agachando para sair correndo. Funcionou.
Consegui me afastar do tumulto, e me vi encarando os muitos cartazes e propagandas na parede, e fiz o que queria fazer a MUITO tempo: passei correndo com minhas unhas em cima de cada um deles, arrastando pedaços arrancados,  jogando todos no chão e arrancado mais, até deixar todos os frangalhos daquela carnificina festiva no chão.
Eu consegui tirar muitos, e os encarrei por um tempo e os vi pegar carona nas correntes de ar, que levavam pra longe nosso cativeiro.
A multidão gritava dentro da área, esperando nossa entrada. Tinhamos que sair dali antes que notassem que nada iria acontecer, que não iamos entrar, antes que acionassem mais guardar e os sistemas de segurança.
Eu o procurei olhando para todos os lados do alvoroço, entre participantes e guardas e sangue. Sabia que ele estava a 4 pessoas atrás de mim, mas quando o sinal foi dado, não o vi mais.
Tinha que encontra-lo.
Voltei por todo o corredor estreito, socando alguns guardas. Quando se passa 6 anos lutando pela vida, se fica realmente muito forte.
Corri pelo corredor e esquadrinhei o lado mais aberto do lado das paredes altas e fortes da arena. Perto da porta de saída, eu o vi deitado, lutando com um guarda, jogado no chão, lutando da faca com os pés e com agilidade.
Eu me aprecei para ajuda-lo, correndo em sua direção, quando ele deu um chute no ar, errando a mão do guarda, e levando um facada profunda na perna.
Ele gritou de dor e cedeu ao chão, sem lutar mais. Como eramos todos muito fortes e o guarda apenas armado com um faca, sabia que se ele se levantasse, ele morreria, então começou a acertar com cortes os braços também.
Eu sai correndo o mais veloz que pude e me joguei contra o guarda, derrubando-o no chão junto comigo. Fiquei em cima dele, despejando todos os socos mais fortes que pude concentrar nas mãos. Ele ficou desnorteado pelo empurrão repentino e pela chuva de socos, mas ainda assim conseguiu passar a faca no meu braço e fazer um corte profundo. Com o braço enfraquecido com o fluxo de sangue sendo despejado, virei a cabeça dele para o lado e soquei com toda a força sua nuca. Ele pareceu ficar com pontadas no cérebro, então repeti os socos por umas 10 vezes, até sacudir de verdade o cérebro dele e assim, ele apagar ou morrer. Ele apagou, porque ainda estava respirando.
Tudo foi muito rápido.
Quando me dei conta, o sangue já escorria até a ponta dos meus dedos, e ja estava ficando meio zonza, mas me forcei a levantar e olhar pra ele. Ele ainda estava no chão, os arranhões escorrendo também e o corte na perna, impedindo-o de levantar aparentemente.
Me ajoelhei ao lado dele.
-Vc está bem? Consegue... consegue se levantar?
Ele apenas fez que não com a cabeça.
-Tudo bem! Não.... não tem problema. - eu disse tentando acalma-lo.
Arrastei-o para dentro da porta que haviamos saído, que eram nossos 'alojamentos' como chamavam, mas eram jaulas, até feno tinha.
Arrastei-o para dentro das jaulas e ficamos os dois no canto escuro. Peguei uma coberta imunda grande bege e nos escondi embaixo dela. Arrasta-lo só piorou a situação do meu braço, o fluxo estava ainda mais forte.
Eu arranquei um pedaço da minha camisa e enrolei na perna dele, bem forte, e ele fez o mesmo com meu braço, e ficamos apenas ali, um do lado o outro, tentando ficar imóveis por causa da dor, ouvindo os gritos, o calor do fogo e todos os outros participantes fugindo ou sendo pegos.
Tinhamos que escapar. Tinhamos que sair dali. Não mais. Chega.

Passaram já 3 anos que saímos daquela arena, salvos por um grupo de apoio que nem sabiamos que existia até o momento da revolução, e que nos acharam apenas pelas manchas de sangue no cobertor.
Eles nos ajudaram a derrotar os guardar e nos arrastaram para fora daquele inferno que vivamos enfurnados, sem poder sair nem nada. Dos mais de 10 participantes, apenas 6 restaram, contando comigo e com ele.
O mundo havia mudando demais fora de lá. As cores ainda existiam.
Acordamos quase 1 semana depois de sermos levamos para o hospital da resistência. Eu perdi os movimentos de três dedos e ele ficou um tempo enorme fazendo exercícios de fisioterapia para perna voltar a funcionar direito... mas estávamos vivos, e conseguimos manter a promessa que fizemos um ao outro quando jovens, assim que fomos jogados naquela lugar: Que só sairíamos de lá juntos.

- by Elize Blackmore
(inspirado em um sonho com Jogos Vorazes)

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