Eu a observava de fora. Eu sabia que era invisível, podia ficar na cara dela que ela não me veria de forma alguma. Eu me aproveitei dessa vantagem e a observei não tão de perto, mas o suficiente para pensar como alguém de fora.
Eu a vi... naquele restaurante de esquina, comendo e lendo sua revista sozinha, por opção e por falta dela. Empurrando a comida pra dentro, e muitas das vezes abaixando a cabeça bem atrás das folhas, em uma altura que não podia a ver, mas sabia exatamente o que ela queria esconder.
Meu entusiasmo por aquele momento precioso começou a murchar um pouco.
Ela se recompunha rápido, se concentrando novamente em sua leitura e comendo e rápido.
Ela pagou seu almoço e eu fui atrás dela, enquanto colocava a revista embaixo do braço e pegava o livro de capa preta que estava lendo e caminhava enquanto absorvia as palavras. Eu sempre me perguntei como ela fazia isso, as vezes dando passos em falso, mas mesmo assim concentrada, mesmo ao redor daquela rua fedida.
Ela lia concentrada e acompanhando com um lápis, então parou por um momento para olhar para cima, e absorver a luz do Sol que não sai a um tempo, e sentir aquele cheiro único de canela que havia apenas em um lugar muito especifico daquele quarterão.
Era realmente delicioso.
Eu perdi a imagem novamente e tudo ao meu redor ficou preto.
Olhei de um lado para o outro e logo me vi novamente no metro, como se tivesse sido transportada. Bem ao lado das paredes, eu podia ver todo o movimento de pessoas, indo e vindo loucamente.
Olhei por cima das cabeças, e a encontrei com a cabeça abaixada para um livro de capa vermelha agora, andando muito rápido, eu quase não consegui acompanha-lá. Mas eu sabia que não andava rápido porque era saudável, era porque ela insistia em fugir do que ficou para trás.
Eu sabia.
Eu a segui rapidamente e a vi olhando para o relógio digital daquela estação, onde mencionava as horas exatas e a data. Ao vê-la olhando para aquilo e respirando muito fundo, e seu passo apertando ainda mais... eu também sabia o que era aquilo, eu sabia o que ela estava contando e riscando do calendário, eu sabia aonde a conta ia acabar. Tão cedo.
Eu parei naquele momento e ela disparou na minha frente.
Aquilo era doloroso.
As lágrimas rolaram sem que eu pudesse contar o marejar instantâneo delas em meus olhos. Elas rolavam em ritmo e eu baixei a cabeça para cerrar minha mão e correr entre os muitos passageiros atrás dela.
A encontrei esperando o metro e a vi cantarolando, mexendo a boca sem fazer som, olhando os trilhos do metro. Era uma droga como a conhecia tão bem, porque sabia que muitas das vezes, ela fingia cantarolar, mas na verdade, recitava palavras de apoio para si mesmo, segurando firme nas palavras invisíveis e nas crenças esperançosas.
Tudo preto novamente.
Eu nunca sabia onde ia parar quando esse momento chegava, e tinha medo do que iria ver no próximo estágio.
Então eu apareci na rua debaixo da estação onde ela aguardava para ser recolhida.
Eu apareci onde ela geralmente se sentava para esperar, mas a vi descendo a rua, sem ler, apenas respirando profundo e várias vezes. Ainda e sempre muito rápido.
Ela passou por mim e sentou no muro baixo, enfiando o livro de capa vermelha dentro da mochila e organizando algo fantasma lá dentro.
Eu a observava ainda tocada demais pela última cena, ainda sensível por entender e saber.
Ela tirou o olhar da mochila e olhou para cima no céu quase escurecendo. Rosto pálido, olhos sem muito brilho, avermelhados, assim como o nariz. Ela ficou encarando o céu por uns minutos, e em seguida abaixou a cabeça e agarrou os joelhos com força, franzindo a calça e balançando a cabeça.
Eu levei a mão ao rosto e massageei com força. Aquilo era demais. Ela gritava por socorro sem dizer nem sequer uma palavra, ela sofria em silêncio, isolada e vulnerável. Ela agarrava os joelhos para se lembrar de forma prática como era se sentir forte e para segurar o desespero dentro do coração e do corpo, porque eu sabia que tudo que ela não queria era ceder. Eu a via respirando profundamente e em pequenos soluços controlados.
Eu respirei fundo e as lágrimas voltaram a rolar.
Eu sabia que ela não podia me ver ou me ouvir, e eu sabia que não poderia toca-la, então me abaixei para tentar olhar para o rosto que ela escondia, ficando bem a sua frente.
-Eu sei que não pode me ouvir, mas por favor.... POR FAVOR entenda isso! - eu respirei fundo em meio as lágrimas, e tentei falar sem solavancos. - As coisas não vão ficar tudo bem... não vão mesmo... mas VC vai ficar bem. Vc vai. Eu sei... por favor, acredite em mim e segure firme... VC vai ficar bem.
Eu suspirei ao terminar de falar, querendo desesperadamente toca-la e faze-la me ver e me ouvir. Mas de alguma forma ela limpou as lágrimas e levantou a cabeça e bateu nas bochechas como costuma fazer quando queria tanto dar um soco na própria cara, mas sabia que merecia um pouco de piedade de si mesma.
A carona chegou e ela entrou no carro e se jogou no livro novamente e dessa vez eu a deixei ir.
Eu queria que ela soubesse que tudo iria ficar bem com ela. As coisas não iriam melhorar, mas elas iriam mudar.... Elas iriam mudar muito, e minha nossa como eu queria que ela pudesse ver e começar a se preparar, como eu queria que eu pudesse ajuda-la a enfrentar tudo isso....
Como queria ME ajudar.
Me ver naquele estado no almoço, aquela correria no metrô e aquele desespero a pouco, aquilo tudo acabou comigo. Eu conhecia aquela EU, e eu me lembrava o quanto doía aqueles momentos, mas o EU de agora, mudou, suportou, melhorou... O eu de agora conhece aquela menina e não aguenta não chorar por ela porque...
Apenas EU mesma me vendo daquele jeito, sabia entender os sinais e sabia.... e SEI.... o que ela sentiu.
As frações acabaram e eu voltei a minha realidade presente. E ao voltar, imediatamente me sentei no computador e comecei a relatar como um terceiro, meus dedos correndo pelo teclado baixo:
Eu podia a ver em momentos fracionados daquele tempo antigo.
-by Elize Blackmore
Lírico, cativante e doloroso. Mais um texto maravilhoso.
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